Um barulho vinha da janela.
Parecia o de um helicóptero, desses que a polícia usa vezenquando. Olhei para
fora, era uma obra da prefeitura. Ao chão, e não ao ar, como imaginei. O
cruzamento foi interditado para que pudessem tirar um naco do asfalto e fazer
qualquer coisa aparentemente no departamento de água e esgoto.
A rua estava bloqueada. Os cones
de ambos os lados do cruzamento impediam que qualquer veículo entrasse ou
saísse. Pensei: estamos livres da ditadura dos carros. Mesmo que por alguns
minutos, ou talvez horas. O pedestre agora reina livre. Pode andar no asfalto
da rua, deitar-se nela, fazer um piquenique, passear de bicicleta – tudo isso
no delimitado perímetro de 100m que compreende um quarteirão.
A liberdade custa caro. Só a temos,
neste exemplo, durante muito pouco tempo e pela intervenção do Estado, no caso,
para realizar uma obra. Ao término, os cones se irão e os carros tornarão a
passar de novo, acima e abaixo, junto de motos e ônibus. A vida retornará ao
seu estado natural. Sem o Estado, que dali algum tempo estaria em
outro quarteirão. Mais obras seriam realizadas e tornariam as ruas asfaltadas
livres para os pedestres, por outro tempo diminuto.
Com todas as possibilidades que
eu disse no texto, eu poderia aproveitar e fazer o que eu quisesse na
rua. Poderia me sentar no meio dela e meditar sem correr o risco de ser
atropelado ou de que atrapalhasse o trânsito. Desconsidere o barulho do
caminhão e da aparelhagem que compacta a terra debaixo dos paralelepípedos
debaixo do asfalto. Poderia fazer uma coreografia, não sei com quem, muito menos o faria sozinho, mas fica a
oportunidade.
A rua interditada me dava poderes
que, enquanto pedestre, rebaixado à ditadura dos veículos, só me restava ficar
restrito à calçada – e olhe lá. Deveria era ficar feliz por ao menos ter uma
calçada para chamar de minha. Já as bicicletas, coitadas, elas não podem ficar
na calçada e a rua não é o melhor dos lugares, com carros estacionados dos dois
lados e a faixa do meio servindo de passagem de mão única. Mas no momento, nada
disso existia. O pedestre e bicicletas poderiam coexistir, em paz e união,
chegando próximo da utopia imaginada por Lennon em Imagine.
Ao invés disso, eu preferi ter
uma ideia e fazer um texto. A rua logo será reaberta. E a vida normal segue,
como de se esperar.
-G-