sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Senso Comum, Desvio Padrão

    Hoje eu ouvi num programa de rádio uma dessas listas sobre aspectos das pessoas que um grupo de pesquisadores julgou interessante obter respostas. A pesquisa listada em questão era "coisas que mulheres acham que deixam homens feios", bem como a sua contraparte, o vice-versa homem-mulher. Em casos assim, de divulgação de estatísticas inferenciais, os comentários antes dos comentários acerca dos resultados geralmente são "um grupo de pesquisadores que não tinha o que fazer, provavelmente da Inglaterra (porque todas as pesquisas vêm de lá)". Não, eu não vim diminuir o trabalho, por mais que algumas pessoas deturpem os termos "ciência" e "pesquisa" ao resumir o campo de atuação relevante em "coisas que servem para alguma coisa", geralmente na área das exatas porque, afinal, para eles, humanas não servem para nada. Vocês sabem o tipo. O intuito desse tipo de exploração é estabelecer curva de Gauss, uma distribuição normal. Um ponto no gráfico da população consultada que diz "olha, as pessoas acham mais isso e não aquilo". É interessante saber o que se passa na cabeça das pessoas, por mais dispensável que você acredite que seja. Se não fosse por isso, por haver interesse em saber no que os outros pensam, não existiria a fofoca, por exemplo, que nada mais é do que saber o que se passa com um terceiro e, como consequência, julgar os seus atos porque estes são um reflexo de seus pensamentos, e mais ainda, é simplesmente impossível não haver julgamento, qualquer que seja. O que é possível, sim, é lidar com o jeito que esse julgamento ocorre, seja de forma agressiva, como num denegrimento via fofoca, seja guardando a nova informação sobre o outro para si mesmo.


    Pois bem, a pesquisa. Em algum lugar dela foi lido que as mulheres que participaram da enquete disseram que homens com barba são feios, elas disseram não gostar de barba. Bom, se eu der uma lida a qualquer momento na timeline do Twitter eu vejo que se as meninas/mulheres de lá fossem os sujeitos do levantamento em questão, ao menos no quesito barba, o resultado seria o oposto. E é aí que eu quero chegar. O grupo analisado no estudo lido estava em algum lugar no mundo e em algum tempo na história e não representa o total de pessoas existentes no planeta. Representa, sim, o suficiente para ser estatisticamente relevante. Naquele lugar. Naquela época. Hoje, no Brasil, para as pessoas com quem eu me encontro na internet, que também não representam a população mundial, barba é algo bom. Até demais.

    O gráfico explica: a normal, o que foi colhido, é que as mulheres não gostam de homens barbados. Elas correspondem à letra B na curva acima, que poderia corresponder, dentro de um gráfico, à seguinte interpretação: o eixo X horizontal é o número de pessoas sondadas e o eixo Y vertical seria o quanto essas pessoas NÃO gostam de barbas, a intensidade negativa desse gosto. Os pontos A e C correspondem a pessoas que gostam de barbas ou que simplesmente não ligam, pra elas tanto faz. Mas a maioria delas não gosta nem um pouco de barba, por isso o ápice da curva se dá em B.

    O que eu quero dizer com isso tudo é: não desmereço os estudos que procuram entender como um determinado grupo de pessoas no espaço/tempo pensa, e sim, apontar que os resultados delas, por mais curiosos que sejam, não representam a totalidade, e arrisco dizer, nunca o farão. Bato de novo na tecla que existem sete bilhões de pessoas no mundo e esse número aumenta todo dia. Dentro desses bilhões, os mais diferentes tipos de pensares se encontram, sejam eles A, B, C ou ξ, Ю e até mesmo . Existem pessoas que gostam de barba, que não gostam, que são indiferentes, bem como suas variáveis adverbiais: muito, pouco, nada, bastante.

    E acima de tudo existe o outro lado. O lado da pessoa alvo do tema em questão, no caso, o homem (e a mulher, na paralela, que segundo os homens não gostam delas usando maquiagem e, até onde eu saiba, elas não estão nem aí sobre o que eles pensam, que é algo a ser refletido ao fim desse parêntese). O que ele enquanto indivíduo pensa sobre barba em sua face? ELE gosta? ELE usa? ELE só deixa crescer porque vê no Twitter que muitas pessoas do sexo feminino dizem gostar de barba e com isso ele acredita que assim terá uma chance maior com elas? Será que ele pelo menos sabe do que realmente gosta ao invés de ir pela corrente de como os outros pensam? Isso é mais importante do que pesquisa alguma. É se compreender, o que não é nada fácil, a ponto de saber do que gosta e do que não gosta independente de opinião alheia. Suponhamos que a gaussiana da investigação valha a nível mundial, que não, que o maior número de pessoas do sexo feminino no planeta não gosta de barbas. Essa é a busca pela normalidade, por isso ela é chamada de distribuição normal, é um padrão. Um padrão que é composto de um centro, grande, de pessoas que não gostam de barbas. E de extremidades, menores, de pessoas que gostam. Agora é hora de fazer um exercício de introspecção: supondo que o sujeito masculino do exemplo odeie barba, ele então vai agradar a maioria ou vai agradar a si mesmo? O que é mais importante: você mesmo ou como os outros o veem? Não sou eu quem respondo a não ser por mim e você responde por você. Cada um por si atrás daquilo que lhe interessa.

    O senso é comum mas não é tudo.



-G-

PS: Colaborou na revisão do texto a totalmente excelente matemática Bel Petit do blog Coisas de Petit.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

2 comentários:

  1. Falou bem, Gabriel. E achei até bonito o teu esforço em desenhar a leitura do gráfico. Pressupondo que foste tu mesmo que o fez.

    E agora, as minhas questões:
    O que leva um homem a deixar a barba (de que ele não gosta) crescer para agradar a parceira? Empatia ou generosidade? E o que é a empatia senão algo que pode ser chamado de mimetismo social?

    p.s.: Só selecionei "era melhor ter visto o filme do Pelé" pela zoeira.

    ResponderExcluir
  2. Não existe uma pesquisa que aponta que quando você gosta mais de si parece mais bonito por estar se comportando de forma confiante e talvez alegre? Acho que os resultados seriam válidos.
    Creio que tão importante como gostar de si é entender que quem faz com que alguém se interesse por outro é o caráter/senso de humor/etc. A barba pode ser bonita, a maquiagem pode embelezar, mas o que importa é outra coisa.
    Belo texto Gabriel! Suas opiniões sempre interessantes.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...