domingo, 28 de janeiro de 2018

O preço da liberdade




     Um barulho vinha da janela. Parecia o de um helicóptero, desses que a polícia usa vezenquando. Olhei para fora, era uma obra da prefeitura. Ao chão, e não ao ar, como imaginei. O cruzamento foi interditado para que pudessem tirar um naco do asfalto e fazer qualquer coisa aparentemente no departamento de água e esgoto.

     A rua estava bloqueada. Os cones de ambos os lados do cruzamento impediam que qualquer veículo entrasse ou saísse. Pensei: estamos livres da ditadura dos carros. Mesmo que por alguns minutos, ou talvez horas. O pedestre agora reina livre. Pode andar no asfalto da rua, deitar-se nela, fazer um piquenique, passear de bicicleta – tudo isso no delimitado perímetro de 100m que compreende um quarteirão. 

     A liberdade custa caro. Só a temos, neste exemplo, durante muito pouco tempo e pela intervenção do Estado, no caso, para realizar uma obra. Ao término, os cones se irão e os carros tornarão a passar de novo, acima e abaixo, junto de motos e ônibus. A vida retornará ao seu estado natural. Sem o Estado, que dali algum tempo estaria em outro quarteirão. Mais obras seriam realizadas e tornariam as ruas asfaltadas livres para os pedestres, por outro tempo diminuto.

     Com todas as possibilidades que eu disse no texto, eu poderia aproveitar e fazer o que eu quisesse  na rua. Poderia me sentar no meio dela e meditar sem correr o risco de ser atropelado ou de que atrapalhasse o trânsito. Desconsidere o barulho do caminhão e da aparelhagem que compacta a terra debaixo dos paralelepípedos debaixo do asfalto. Poderia fazer uma coreografia, não sei com quem, muito menos o faria sozinho, mas fica a oportunidade.


     A rua interditada me dava poderes que, enquanto pedestre, rebaixado à ditadura dos veículos, só me restava ficar restrito à calçada – e olhe lá. Deveria era ficar feliz por ao menos ter uma calçada para chamar de minha. Já as bicicletas, coitadas, elas não podem ficar na calçada e a rua não é o melhor dos lugares, com carros estacionados dos dois lados e a faixa do meio servindo de passagem de mão única. Mas no momento, nada disso existia. O pedestre e bicicletas poderiam coexistir, em paz e união, chegando próximo da utopia imaginada por Lennon em Imagine. 

     Ao invés disso, eu preferi ter uma ideia e fazer um texto. A rua logo será reaberta. E a vida normal segue, como de se esperar.


-G-
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