terça-feira, 19 de agosto de 2014

Deforma Ortográfica

    O idioma português mal saiu de uma reforma ortográfica, que entraria em vigor a partir de 2009 mas foi adiada para 2016, e já existe outra engatilhada se depender do senado brasileiro, dessa vez bem mais agressiva. A ideia da outra reforma, que surgiu na década de 1980 e só entrou nos finalmentes, com assinatura brasileira do então presidente Lula e de todos os países lusófonos em 2008, era a de unificar as ortografias. A superficialidade mostra: é um jeito de eu aqui no Brasil me comunicar, por escrito, de forma fácil com alguém de Portugal ou de Angola. Não só eu, mas mais importante ainda é a redação de documentos oficiais e obras de interesse público, o fato de haver duas línguas era um empecilho. O que ela não mostra são os interesses políticos e editoriais. Desde 2009 todas as editoras, inclusive as que fornecem material escolar para as escolas do governo, tiveram de reescrever, reimprimir e revender. Guias do tipo "aprenda a escrever pela nova ortografia" foram vendidos, bem como torrentes de dicionários "atualizados com a reforma ortográfica". Ninguém quer "escrever errado". Mesmo que você pense que ninguém mais usa dicionário hoje em dia, isso não só não é verdade como eles migraram de formato: passaram de monumentos colossais para aplicativos de smartphone ou de computador, sem contar os que são online. E, principalmente, o que a superficialidade da reforma não mostra é, inclusive, o óbvio: é um problema linguístico e não político. "As línguas são como são em virtude do uso que seus falantes fazem dela, e não de acordos de grupos ou decretos de governo" (Houaiss, 2008).

    Não é novidade que a América, o novo mundo, é o celeiro da Europa. Junto com a colonização vem a língua do colonizador. O Brasil pegou o idioma de Portugal, boa parte da América Latina e central teve influência espanhola, mesmo o Haiti foi colonização francesa e a Inglaterra empossou o que hoje é os Estados Unidos. Só para ficar nesses quatro exemplos de "dois idiomas", um na colônia e outro na metrópole, com eles os idiomas também são diferentes, existem variações ortográficas e não existe interesse em unificação, pelo menos não que eu saiba. Acontece com o inglês, o espanhol, o francês e o português que nos é vivido.

Falta uma reforma que una todas as tribos como foi a da língua portugosa (Porto, Portugal, 1911)
    Não vou me ater aos prós e contras das reformas, nem fazer um percurso histórico de reformas passadas e menos ainda de como o latim se transformou em português brasileiro. O que eu quero apontar, nesse momento, é o seguinte: na história da língua portuguesa existem três grandes ciclos: o da ortografia fonética (séc XIII ao XVI), o pseudoetimológico (séc XVI até 1904), e a fase simplificada que dura até hoje. Quero me ater ao primeiro ciclo: o que essa atual proposta faz nada mais é do que voltar à ortografia fonética, escrever do jeito que se fala, deixando de lado a etimologia das palavras.


    Ainda que, "escrever como se fala" é um conceito insustentável por si só, se apenas aqui no Brasil existem diversas variáveis regionais, imagine misturar a essa bola de neve os falares europeus e africanos do idioma português. Essa nova reforma é tão absurda que ela simplesmente ignora todo o trabalho de décadas passadas da reforma anterior, a menos que os nossos congressistas queiram que em Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Timor-Leste escrevam omem, gerra, flexa e Brazília. Curiosamente, a história se repete e a língua então ganha(ria) um caráter fonético como foi no primeiro grande ciclo de uso do idioma, antes mesmo de chegar ao Brasil. Chegando, naturalmente, seria inevitável sofrer influências aqui que não sofreu em Portugal, e vice versa. Por isso são duas línguas diferentes.

    Então, vamos ignorar e fingir que essa unificação para "redação de documentos oficiais internacionais entre países falantes do idioma português" não existiu e assinar um atestado de incompetência, que nada mais é do que a proposta da nova reforma. Se antes existia a unificação internacional, agora a ideia é "facilitar o aprendizado do idioma". Mexer na língua, algo que é tão característico, identificatório e símbolo de uma nação, é uma pachorra perto de outras atitudes cabíveis, como a valorização do professor em se tratando de salário e jornada de trabalho, de se ter escolas com infra-estrutura para um bom aproveitamento do aprendizado e, finalmente, de haver avaliações desse aprendizado de forma coerente no lugar de aprovação automática.

    Saussure, em seu divisor de águas de 1916, propôs diversas dualidades, também chamadas de dicotomias. Entre elas está "língua" versus "fala". O primeiro é o idioma e o segundo é o uso dele, resumidamente. Ora, o papel de uma escola não é ensinar língua portuguesa, afinal, uma criança já entra na escola falando. Ela não ensina a fala, que é uma capacidade cognitiva da espécie humana. Ensina, sim, uma variedade dentre tantas outras que é considerada a norma, a correta, porém, com uma metodologia muitas vezes arcaica que prioriza a escrita "correta" em detrimento da escrita "coerente". Como diz o professor Possenti (2009): "O fracasso dos alunos em provas que exigem escrita não é só o fracasso da escola, mas o de uma sociedade que valoriza o que tem de pouco valor - escrever corretamente sempre as mesmas palavras e frases de gramática - e não valoriza o muito que tem valor - a capacidade de alguém ser sujeito de um texto, de defender ideias que se articulem, mesmo que haja pequenos problemas de escrita".

    Trazendo para o cotidiano, eu percebo claramente o que ele quis dizer. Olha a internet. Tantas pessoas que "escrevem certo" um comentário mas que não compreendem o que o texto comentado quis dizer. Não existe interpretação ao mesmo tempo que ocorre uma necessidade de se expor superiormente e ter opinião em todos os assuntos, mesmo que não tenha ou que seja deturpada. Basicamente, educação. E em se tratando de língua, eu apoio (ex-"apóio"), sim projetos que visem à semântica. A morfologia vai bem, apesar de tudo.



-G-

PS: tentarei reescrever esse mesmo post com base na proposta de reforma que, dessa vez, ainda bem, vai sofrer nas mãos da burocracia política brazuca. Amém. 

PS1.1: a reforma era um boato e foi desmentida aqui.

Deforma Ortográfica

    O idioma portugês mal saiu de uma reforma ortográfica, que entraria em vigor a partir de 2009 mas foi adiada para 2016, e já eziste outra engatilhada se depender do senado brazileiro, desa vez bem mais agresiva. A ideia da outra reforma, que surgiu na década de 1980 e só entrou nos finalmentes, com asinatura brazileira do então prezidente Lula e de todos os paízes luzófonos em 2008, era a de unificar as ortografias. A superfisialidade mostra: é um jeito de eu aqui no Brazil me comunicar, por escrito, de forma fásil com algém de Portugal ou de Angola. Não só eu, mas mais importante ainda é a redação de documentos ofisiais e obras de interese público, o fato de aver duas línguas era um empesilho. O que ela não mostra são os intereses políticos e editoriais. Dezde 2009 todas as editoras, incluzive as que fornesem material escolar para as escolas do governo, tiveram de reescrever, reimprimir e revender. Gias do tipo "aprenda a escrever pela nova ortografia" foram vendidos, bem como torrentes de disionários "atualizados com a reforma ortográfica". Ningém quer "escrever errado". Mezmo que vosê pense que ningém mais uza disionário oje em dia, iso não só não é verdade como eles migraram de formato: pasaram de monumentos colosais para aplicativos de smartphone ou de computador, sem contar os que são online. E, prinsipalmente, o que a superfisialidade da reforma não mostra é, incluzive, o óbvio: é um problema linguístico e não político. "As línguas são como são em virtude do uzo que seus falantes fazem dela, e não de acordos de grupos ou decretos de governo" (Houaiss, 2008).

    Não é novidade que a América, o novo mundo, é o seleiro da Europa. Junto com a colonização vem a língua do colonizador. O Brazil pegou o idioma de Portugal, boa parte da América Latina e central teve influênsia espanhola, mezmo o Aiti foi colonização franseza e a Inglaterra emposou o que oje é os Estados Unidos. Só para ficar neses quatro ezemplos de "dois idiomas", um na colônia e outro na metrópole, com eles os idiomas também são diferentes, ezistem variações ortográficas e não eziste interese em unificação, pelo menos não que eu saiba. Acontese com o inglês, o espanhol, o fransês e o portugês que nos é vivido.

Falta uma reforma que una todas as tribos como foi a da língua portugoza (Porto, Portugal, 1911)

    Não vou me ater aos prós e contras das reformas, nem fazer um percurso istórico de reformas pasadas e menos ainda de como o latim se transformou em portugês brazileiro. O que eu quero apontar, nese momento, é o seginte: na istória da língua portugeza ezistem três grandes siclos: o da ortografia fonética (séc XIII ao XVI), o pseudoetimológico (séc XVI até 1904), e a faze simplificada que dura até oje. Quero me ater ao primeiro siclo: o que esa atual proposta faz nada mais é do que voltar à ortografia fonética, escrever do jeito que se fala, deixando de lado a etimologia das palavras.

    Ainda que, "escrever como se fala" é um conseito insustentável por si só, se apenas aqui no Brazil ezistem diversas variáveis regionais, imagine misturar a esa bola de neve os falares europeus e africanos do idioma portugês. Esa nova reforma é tão absurda que ela simplesmente ignora todo o trabalho de décadas pasadas da reforma anterior, a menos que os nosos congresistas queiram que em Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Prínsipe, Guiné-Bissau e Timor-Leste escrevam omem, gerra, flexa e Brazília. Curiozamente, a istória se repete e a língua então ganha(ria) um caráter fonético como foi no primeiro grande siclo de uzo do idioma, antes mezmo de xegar ao Brazil. Xegando, naturalmente, seria inevitável sofrer influênsias aqui que não sofreu em Portugal, e vise versa. Por iso são duas línguas diferentes.

    Então, vamos ignorar e fingir que esa unificação para "redação de documentos ofisiais internasionais entre paízes falantes do idioma portugês" não ezistiu e asinar um atestado de incompetênsia, que nada mais é do que a proposta da nova reforma. Se antes ezistia a unificação internasional, agora a ideia é "fasilitar o aprendizado do idioma". Mexer na língua, algo que é tão característico, identificatório e símbolo de uma nação, é uma paxorra perto de outras atitudes cabíveis, como a valorização do profesor em se tratando de salário e jornada de trabalho, de se ter escolas com infra-estrutura para um bom aproveitamento do aprendizado e, finalmente, de aver avaliações dese aprendizado de forma coerente no lugar de aprovação automática.

    Saussure, em seu divizor de águas de 1916, propôs diversas dualidades, também xamadas de dicotomias. Entre elas está "língua" versus "fala". O primeiro é o idioma e o segundo é o uzo dele, rezumidamente. Ora, o papel de uma escola não é ensinar língua portugesa, afinal, uma criança já entra na escola falando. Ela não ensina a fala, que é uma capasidade cognitiva da espésie umana. Ensina, sim, uma variedade dentre tantas outras que é considerada a norma, a correta, porém, com uma metodologia muitas vezes arcaica que prioriza a escrita "correta" em detrimento da escrita "coerente". Como diz o profesor Possenti (2009): "O fracaso dos alunos em provas que ezigem escrita não é só o fracaso da escola, mas o de uma sosiedade que valoriza o que tem de pouco valor - escrever corretamente sempre as mezmas palavras e frazes de gramática - e não valoriza o muito que tem valor - a capasidade de algém ser sujeito de um texto, de defender ideias que se articulem, mezmo que aja pequenos problemas de escrita".

    Trazendo para o cotidiano, eu persebo claramente o que ele quiz dizer. Olha a internet. Tantas pesoas que "escrevem serto" um comentário maz que não compreendem o que o texto comentado quiz dizer. Não eziste interpretação ao mezmo tempo que ocorre uma nesesidade de se expor superiormente e ter opinião em todos os asuntos, mezmo que não tenha ou que seja deturpada. Bazicamente, educação. E em se tratando de língua, eu apoio (ez-"apóio"), sim projetos que vizem à semântica. A morfologia vai bem, apezar de tudo.



-G-

PS2: depois de ler o texto alterado, talvez com alguns erros de adaptação, mas ainda assim, eu sinto que algumas palavras definem o projeto: bestialógico. Nonsense. Choque.
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4 comentários:

  1. "Deforma Ortográfica" HAHAHAHAHAHAH Já começou bem.

    #NemLi ainda.

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  2. A segunda parte me perturbou o cérebro.
    Texto ótimo! Sempre surpreendendo com sua capacidade de apresentação e argumentação. Parabéns menino Piazentin!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. A escrita fonética é uma aberração. É inútil.
    Concordo contigo: o que falta é semântica. O pessoal aumenta o vocabulário, mas derrapa na clareza. O que eu leio de "sou adepto a" não tá no gibi!
    Ortografia se aprende na base da decoreba. Gramática, só quem sabe escrever conhece. Quanto à pontuação, acho que é melhor deixar quieto. A coisa tem apelo dramático...
    E realmente, na escola não se ensina a escrever. Menos ainda a ler. Só fui aprender o que era uma redação no curso de letras.

    Enfim, querem mudar a forma pra não batumar* o bolo, mas a receita é que está errada.

    * O mesmo que "solar".

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