quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O Destino do Pai

    -Vamos, será divertido - disse meu velho.

    Eu sempre reclamei que não éramos muito de viajar em família. Eu, ele, o irmão, a mãe. Surpreendentemente, quando eu menos esperava, ele surgiu com esse roteiro de viagem para nós todos. Não sei de onde ele teve a ideia, eu mesmo nunca havia ouvido falar do local. Dei uma breve pesquisada na internet, só para ver o que os outros diziam sobre o lugar, e não achei muita coisa pessoal. Apenas propaganda, e ainda assim bem pouco. Esquisito.

    Pegamos o carro e tomamos a estrada. O velho dilema de sempre: pais na frente ouvindo músicas no som do carro, filhos atrás ouvindo músicas com fones de ouvido. Sempre foi assim, provavelmente sempre será. O que era para ser uma viagem em família já começou aí com uma barreira entre os passageiros da frente com os de trás.

    Mas apesar de tudo isso, repito, sempre fora assim, apesar de tudo foi um bom circuito o que fizemos até chegar no destino final, a cereja do bolo desse passeio. Eu peço desculpas, mas eu não me lembro o nome do lugar e você vai me desculpar quando souber o que aconteceu por lá, bem como o atual estado em que eu me encontro.

    Em algum lugar no meio do nada havia essa grande megastore construída  para atrair viajantes. Não é redundante dizer "grande mega-store", o lugar era enorme. Do tipo que você se perde dos outros caso vá com mais pessoas. E sim, lá pelas tantas foi o que acabou acontecendo mesmo. Na verdade, eu me perdi de todo mundo, foi cada um pra um canto fuçar o que lhe dava na telha. Eu fui para um lugar perto de uma das bordas da loja, que dava para um corredor em formato de L, o qual eu passei e senti que não deveria estar por lá. Ao final dele, outra área da loja, com ares rústicos e madeira por todos os lados, desde o chão, os pilares, os bancos. Muita gente estava por ali, na verdade, o local era mais uma espécie de cafeteria megalomaníaca, onde as pessoas sentavam, conversavam  e bebiam café em meio a tanto glamour que não condizia exatamente com a intenção "rústica" do lugar.

    Repito, eu estava numa das bordas da loja. Isso se mostrou a mim por detrás de uma janela. Lugares no meio do nada sempre são propensos a muita crença popular de sabe-lá o que aconteceu numa época em que não tinha ninguém para comprovar tal feito. Ao olhar pelo vidro, havia um casarão a alguns bons quilômetros de distância de onde eu estava. Aquilo me deu calafrios, só de imaginar quanto tempo aquilo teria de vida (vida?), quem vivera por lá, bem como quando viveu (viveu?).

    Deixei a janela e voltei a minha atenção para a realidade. Fazia tempo que eu não me encontrava com o resto da família que também estava em algum lugar por ali. Liguei nos seus respectivos celulares e marquei para virem me encontrar no café, onde eu estava, e assim poderíamos aproveitar para beber e comer alguma coisa. Falei com todos, menos com o pai. De alguma forma, eu não conseguia contatá-lo. Bom, problemas da operadora, pensei eu. Isso acontece bastante, quanto mais você precisa delas, menos você tem e as suas fronteiras não ficam tão ilimitadas quanto eles fazem você querer acreditar em suas propagandas.

    Aguardei.

    Voltaram todos,  menos o pai. Aquilo já estava começando a me deixar preocupado, mas também, este sou eu que me preocupo com qualquer coisa. Era só uma loja grande, não teria motivo para preocupação. Eu acho. Achava. Enfim, comemos e bebemos, os três. Foi aí que a maionese começou a desandar.

    Eu sabia, sabia que aquela casa tinha alguma coisa de estranha! Sabia que eu ainda veria o que se passa com ela, ah, sim, eu sabia. Digo isso tudo pois, quando menos esperava (e é sempre assim mesmo), ouvi gritos de pessoas ao longe, desesperadas, fugindo e correndo. Longe, mas mesmo assim, ainda dentro da loja. Eis que irrompem da porta que dá acesso a cafeteria os motivos de pânico: quatro bestas com os olhares do demônio em suas sombras causavam o caos em busca de suas próximas vítimas rumo ao império das trevas. Quando um demônio supostamente mata um ser humano, este não morre, apenas vive em agonia eterna no fogo do terror.

    Não hesitei. Tá, um pouco, mas quando vi a gravidade da situação, peguei irmão e mãe e fugimos para de onde eu tinha vindo, o corredor em L, que mais parecia ser uma passagem que ninguém utilizava há muito tempo. Não que fosse a situação mais confortável do mundo passar por ele, mas, de corrida, seria o um ou dois minutos que poderiam fazer a diferença. Calafrios percorreram o corpo de todos nós três ao passar por ele, que lugar amaldiçoado, alguma coisa haveria de estar errado com ele. Bem como com a casa a quilômetros. Até mesmo com a loja. Quem sou eu para saber, numa situação dessas?

    Ao sair do corredor, o lugar em que nos encontrávamos se encontrava deserto e ligeiramente longe do caos que se instaurava. Vazio a não ser pelos próprios objetos da loja e por uma figura que parecia olhar tranquilamente as prateleiras. Meu velho! Enfim o encontrara e poderíamos então todos dar um jeito de sumir dali. Fomos nos reunir e a serenidade dele em meio ao fim de mundo me preocupou. Então pensei na possibilidade de... não, seria impossível. Não poderia ser verdade, não. Mas sim, meu pai agora era um demônio. Não era mais o velho bem humorado e sempre calmo nas decisões que tomava. Assim sendo, com dor no coração de ter de possivelmente enfrentar meu progenitor, tomei consciência dos fatos. Não teria por que ter medo. Aquele não era mais ele. Embora a face com a qual eu tenha me acostumado com todos esses anos de vida parecesse a mesma, os olhos, sempre eles, estavam irreconhecíveis. O azul deles havia perdido lugar para um cinza vazio e inexpressivo.

    Tal como um animal, era chegada a hora de a geração mais nova se confrontar com a mais velha com o intuito de sobrevivência. Mas oras, como raios matar alguém que já não é vivo?! E ainda por cima, ter de confrontar alguém que foi seu pai durante toda a vida. Sim, eu já sabia que ele não era mais o meu velho de sempre, mas esse tipo de pensamento é difícil de se aceitar, não conseguia colocar na cabeça que aquele demonita não mais era o meu pai. A bem da verdade, nem eu lembro como foi que tudo aconteceu. Enquanto estava digerindo aquele caminhão de informações e tomando consciência dos fatos, eu fora atacado. E morto. Ou não. Eu acho, não sei. De qualquer forma, aqui estamos todos, em família, junto com tantos outros, naquele velho casarão a quilômetros da mega-store. O inferno na terra era ali, com endereço e tudo.



-G-
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2 comentários:

  1. Vale uma analise psicológica? Se sim, isso diz muito sobre vc sentir a necessidade de amadurecer, seu pai ser seu modelo masculino, vc tem uma imagem do seu pai q é a de quando vc era pequeno, que provavelmente não é verdadeira, a moral é que ele envelheceu (e vc também) e pra vc ele "mudou" qndo na verdade o que mudou DE FATO foi a sua visão do mundo. Daí o confronto, vc não concorda com pontos dele, forma de ver o mundo, mas claro que a idéia de "matar seu próprio pai" é muito forte pra vc digerir ela de maneira pura, então vc transformou seu pai no demonio, e claro que rola um complexo de Édipo forte aí, vc tem a pretenção natural de todo macho de dominar o seu bando (sua mãe e seu irmão), tudo isso é muito dificil de digerir de forma pura principalmente no momento do conflito que se opera no plano consciente (quando vc discute com o seu pai), dai sua psique recalca essas idéias e aquilo que foi recalcado retorna qndo vc dorme pq a barreira desses pensamentos dolorosos cai um pouco, mas não totalmente... Enfim, é a maturidade chegando, vc sente que os laços da sua família nuclear tão se desfazendo mais e mais, e por mais que vc saiba q é algo natural, ainda sim tem sido uma preocupação sua passar mais tempo com eles, pq vc tem a consciencia do que tem no futuro, a morte (alias, vc não suporta a idéia de ter que lidar com a morte também, sofrer infinitamente no inferno é melhor do que a perda eterna dos seus pais) você não se sente preparado pra amadurecer, e nada mais natural, mas ao mesmo tempo vc tá ansioso por isso, vc vê que biologicamente vc tá se tornando adulto, mas emocionalmente vc não se sente um, e isso te frustra MUITO. Você quer amadurecer logo, pq amadurecimento pra você significa firmeza, tanto emocional, quanto física, quanto psicológica e ao mesmo tempo tem uma dificuldade grande de se desligar da sua consciencia infantil, o corredor e o lugar rustico de madeira representa isso pra mim, pq tipo vc tem consciencia plena de que o amadurecimento é um processo penoso, de não sentir bem estar, por isso vc não se sente confortavel no corredor, pq sabe que se tornar adulto é um processo desconfortavel e penoso, ainda sim, necessário, vc não tá querendo adiar isso, mto pelo contrário, quer apressar, mas não sabe como, vc se sente extremamente pressionado pra isso (por isso essa sensação de mal estar claustrofóbico, com poeira e tal) mas já sabe COMO QUER amadurecer, no meio acadêmico, vc quer ser intelectual, quer estar entre os intelectuais, o café (intelecual) é um lugar velho (maduro), e vc associa isso com a emancipação da sua família, não só no sentido financeiro, mas um independencia dos laços afetivos também, não de maneira fria, mas de maneira controlada e soberana, típica do seu modelo masculino, seu pai (que alias, vc enxerga que deixou de lidar com isso dessa forma que você acha ideal de lidar com a família) porém com a pitada intelectual que vc almeja incorporar. Casarão e os demonios são a morte, os problemas inadiaveis do tempo que vc percebe outras pessoas correndo, você com medo do casarão e outras lidando bem com eles not giving a fuck enquanto tomam café (que é sua ilusão sobre o processo de amadurecimento sobre algumas pessoas ao seu redor, de que pra elas é mais fácil)...

    UFA! É isso

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